terça-feira, 22 de abril de 2025

Conhecimento que Conforta: A Teologia como Serviço de Amor e Verdade

 

Por Jânsen Leiros Jr.

Agostinho de Hipona

Crê para entender, e entende para crer com firmeza; sem compreensão, a fé se torna frágil.

Tomás de Aquino

A razão e a fé são irmãs que caminham juntas: a mente que busca entender glorifica ao Criador tanto quanto o coração que o ama.

A. W. Tozer

Uma adoração que não envolve a mente acaba em cantoria vazia; Deus deseja nossa inteligência dedicada, não apenas nossos lábios.

Martim Lutero

A verdadeira teologia começa quando nos prostramos diante da cruz e, ao contemplá-la, nosso entendimento e amor por Cristo se aprofundam.

C. S. Lewis

Não creio em fé cega; acredito em um salto fundamentado na razão e na beleza da verdade que glorifica a Deus.

John Piper

Deus é mais glorificado em nós quando nossa alegria em compreendê‑Lo é tão forte quanto nosso desejo de servi‑Lo.

 

Vivemos dias em que a simplicidade é exaltada como virtude máxima da espiritualidade. E, de fato, o Senhor Jesus se alegra na fé simples, pura e rendida — “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mateus 18.3) — e — “Temo, porém, que, como a serpente enganou a Eva pelo seu astuto artifício, assim também vos sejam corrompidos os vossos sentidos, e vos desvieis da simplicidade que há em Cristo” (2 Coríntios 11.3) . Mas simplicidade não é sinônimo de ignorância, nem fé sincera é inimiga do conhecimento. A Palavra de Deus nunca propôs uma espiritualidade desinformada, mas uma espiritualidade iluminada — uma fé que pensa, que discerne, que consola, que resiste e que anuncia com clareza e poder.

A teologia, longe de ser luxo acadêmico ou debate estéril, é um serviço de amor. É a busca por entender melhor o Deus que nos amou primeiro, para que possamos amá‑Lo com mais profundidade e servir ao próximo com mais precisão. Como escreveu Anselmo de Cantuária: “Fides quaerens intellectum” — a fé busca o entendimento. O verdadeiro conhecimento de Deus gera humildade, não vaidade — pois “no que diz respeito às coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que ‘temos conhecimento’, mas o conhecimento incha; e se alguém supõe saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber; mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido d’Ele” (1 Coríntios 8.1‑3). Ele consola, não complica. Ele cura, não fere.

Cornélio, o Centurião — Fé Sincera, Mas Incompleta

Cornélio é um exemplo emblemático de fé sincera e genuína, mas que carece de um entendimento pleno da verdade revelada em Cristo. Ele era um homem temente a Deus, piedoso, e de grande generosidade, características que não apenas definem o seu caráter, mas também a sua relação com o Senhor. O texto de Atos 10.1-2 descreve: “Havia em Cesaréia um homem chamado Cornélio, centurião da coorte chamada Italiana, servo de grande prestígio entre toda a plebe judaica. Ele, que era temente a Deus, bem como toda a sua família, praticava muitas esmolas ao povo e orava a Deus continuamente.” Cornélio, embora não fosse um judeu por nascimento, se dedicava à prática religiosa e demonstrava uma sensibilidade espiritual rara, que o tornava digno da atenção divina. Ele não apenas orava, mas sua vida era marcada por um comprometimento constante com os pobres, evidenciando uma sinceridade em sua devoção, que ultrapassava as barreiras de um simples formalismo religioso.

Contudo, a sua fé, apesar de sólida e verdadeira, não estava completa. Ele carecia do conhecimento essencial da salvação plena, que só poderia ser encontrada em Cristo Jesus. Sua sincera busca por Deus, embora notável, ainda não o havia levado a uma compreensão plena da obra redentora de Cristo. Foi então que, em sua humildade e desejo de seguir a Deus de forma verdadeira, ele recebeu a visita de um anjo. O mensageiro celestial, como registrado em Atos 10.4-6, disse-lhe: “Fitando-o atentamente, com temor, disse-lhe: Que é, Senhor? Ele respondeu: As tuas orações e as tuas esmolas subiram para memória diante de Deus. Envia, agora, a Jope e faz vir um Simão, chamado Pedro. Ele ficará hospedado na casa de Simão, o curtidor, cujo alpendre se situa junto ao mar.”

Este encontro não foi um simples sinal de que sua fé estava sendo reconhecida, mas uma convocação para algo mais profundo e transformador. Deus não desconsiderou a fé de Cornélio, mas lhe concedeu uma revelação maior, convidando-o a conhecer a verdade mais completa que só poderia ser encontrada na mensagem do evangelho de Cristo. Através da instrução de Pedro, que foi enviado de Jope, Cornélio seria elevado a um novo nível de compreensão. Ao ouvir a Palavra pregada por Pedro, a fé de Cornélio e de sua família foi transformada. Não apenas uma adesão intelectual, mas uma experiência vivencial do Espírito Santo, que os batizou, consolidando-os não apenas como crentes, mas como missionários, transformando sua devoção em um chamado para a missão.

O exemplo de Cornélio nos ensina que a fé sincera, por mais autêntica que seja, precisa ser acompanhada de revelação e ensino da verdade integral. A devoção pura, que se expressa através das boas obras e da oração contínua, tem seu valor, mas não está completa sem o entendimento de quem é Cristo e qual a obra de salvação que Ele realiza. A fé de Cornélio foi ampliada, sendo guiada pela Palavra que traz clareza doutrinária e, mais importante, pela presença do Espírito Santo, que torna a fé viva e eficaz. Assim, a devoção se transforma em missão, e a missão, por sua vez, se torna a realização do propósito de Deus para a vida do crente. A história de Cornélio é, portanto, um convite para todos nós: não basta ser temente a Deus de forma vaga ou incerta; devemos buscar a verdade revelada em Cristo para que a nossa fé seja não só sincera, mas também plena e transformadora.

Teologia: Escudo Contra os Lobos

Nos dias atuais, o zelo sem entendimento tem sido porta de entrada para todo tipo de distorção, pois “porque conheço o zelo deles, mas não com entendimento” (Romanos 10.2) expõe o perigo de uma fé entusiasmada, porém desarmada.

O apóstolo Paulo, ao despedir‑se dos presbíteros de Éfeso, advertiu com lágrimas: “Eu sei que, depois que eu sair, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão o rebanho” (Atos 20.29). Essa advertência escancara a vulnerabilidade de uma comunidade sem a armadura da doutrina.

Mas o antídoto está logo em seguida: “Agora, irmãos, confio‑vos a Deus e à palavra da sua graça, que é poderosa para edificar-vos e dar‑vos herança entre todos os santificados” (Atos 20.32). A graça revelada na Escritura não apenas consola, mas também constrói e preserva o rebanho.

Sem conhecimento fiel da Escritura — pois “o meu povo foi destruído por falta de conhecimento; visto que tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei” (Oséias 4.6) — não há proteção contra o engano. A teologia, portanto, não é luxo acadêmico, mas escudo divino, capaz de repelir as investidas do erro e manter o povo de Deus firme no fundamento da Palavra.

A Teologia Submissa e Serena

A teologia que propomos não é a dos debates ostentatórios, nem a dos sistemas fechados sobre si mesmos, mas aquela que se curva reverente diante da revelação, como Moisés diante da sarça ardente. É um saber que nasce do silêncio de quem busca ouvir a voz de Deus antes de formular respostas audaciosas. Essa atitude se expressa em oração constante, serviço humilde e disposição para aprender — características do discipulado que honra a Cristo, Mestre e Senhor.

Tal teologia reconhece, acima de tudo, o caráter soberano e gratuito da Palavra. “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a educação na justiça” (2 Timóteo 3.16), e não um manancial de armas doutrinárias para vencer discussões. Assim, ela tem por objetivo “aperfeiçoar o homem de Deus, para toda boa obra”, conforme “o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3.17), e não inflar o ego de ninguém.

Essa teologia encontra respaldo na humildade de Cristo, que “não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devesse apegar‑se, mas esvaziou‑se a si mesmo” (Filipenses 2.6‑7), e no caráter pacífico e sábio do Espírito, em quem “a sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura; depois, pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia” (Tiago 3.17). Ela vai além do mero acúmulo de informações: transforma o caráter, gera frutos de justiça e capacita a igreja a servir com compaixão e firmeza.

Finalmente, essa teologia mantém-se vigilante contra o orgulho que corrompe o conhecimento. Como admoesta “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tiago 4.6), ela floresce na dependência do Senhor e no reconhecimento de que todo avanço espiritual provém da graça. Eis, pois, a teologia submissa e serena: um caminho de reverência inabalável e confiança alegre na Palavra que nos molda e nos envia.

Chamado ao Aprofundamento

Portanto, simplificar é nobre quando remove o excesso humano, quando a complexidade das ideias é desnudada, deixando apenas o essencial, aquele que leva à verdade e à prática viva. No entanto, empobrecer a fé por medo do conhecimento é uma armadilha sutil, que pode facilmente desviar a alma do verdadeiro propósito da revelação divina. A fé cristã, longe de ser algo superficial ou ignorante, é um convite ao conhecimento profundo, revelado e transformador. Não estamos chamados a uma devoção vazia, mas a uma fé que cresce na compreensão e amadurece na santidade. O Senhor deseja que o Seu povo O conheça de forma completa e profunda: “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor; como a alva, a sua vinda é certa; e Ele descerá sobre nós como chuva serôdia que rega a terra” (Oséias 6.3).

Este é o conhecimento que vai além do simples entendimento acadêmico; é um conhecimento que transforma, que santifica, que envia. Não é um saber desprovido de alma, mas uma teologia que leva à adoração e ao serviço. Ele não se contenta em ser uma teoria distante da vida cotidiana, mas exige que, tanto a mente quanto o coração, se entreguem ao Senhor. O conhecimento bíblico verdadeiro não cria uma divisão artificial entre razão e emoção, mas consagra ambas, unindo-as em uma devoção integral ao altar de Deus. É uma teologia que não é meramente informativa, mas profundamente formativa e vivificadora.

É hora de buscarmos, com humildade e reverência, esse tipo de conhecimento — não para nos colocarmos acima dos outros, nem para sermos fontes de orgulho intelectual, mas para sermos instrumentos mais úteis nas mãos do nosso Mestre. O conhecimento que Deus deseja nos conceder não é para alimentar nossa vaidade, mas para nos capacitar a servir com eficácia no Reino. Como disse Paulo a Timóteo: “Medita estas coisas; dá-te inteiramente a elas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos” (1 Timóteo 4.15). Este é o tipo de dedicação que resulta em uma transformação visível na vida do crente, fazendo de cada ação e palavra um reflexo da santidade e do poder de Deus.

Assim, o conhecimento em Cristo não é apenas uma busca intelectual, mas uma busca que envolve toda a nossa vida, orientando nossa prática, motivando nosso serviço e aprofundando nossa adoração. Este é o verdadeiro conhecimento que liberta, que nos leva a um viver que é digno da vocação celestial, e que se manifesta em tudo o que fazemos.

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