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terça-feira, 10 de maio de 2022

Religiões - Caminhos e Descaminhos

 

Por Jânsen Leiros Jr.

 Caminhos

 Depois da pergunta por Deus, a questão sobre o que é a religião talvez seja a mais necessária investigação no caminho de encontrarmos o sentido da vida. Não que a religião seja esse sentido. Não mesmo. Porém, no processo de desvendarmos as motivações que levam o ser humano a exercitar-se na religião, inevitavelmente passamos tanto pelo terreno do significado da vida, quanto pelos mais instintivos impulsos da alma.

 A pergunta pelo que é religião, no entanto, não é facilmente respondida quando se pretende, por princípio, usarmos de honestidade e sobretudo responsabilidade. Muito pelo contrário. No caminho de desvendarmos todas as possibilidades, acabamos por transitar por becos escuros, ruas sem saídas e por labirintos difíceis de serem compreendidos. E por que isso? Porque as encruzilhadas são muitas, e nesta jornada o que difere verdade de equívoco é muito tênue. Isso se dá por diversos fatores que influenciam essa busca, indo desde cenários históricos em que se ambientam as pesquisas, até a própria experimentação religiosa, ou não, do pesquisador.

 Não é sem razão que, segundo Irênio Silveira Chaves em seu livro O que é Religião, ele se surpreende ao iniciar seu trabalho de pesquisa sobre o tema. O curioso na pesquisa que fiz foi descobrir que a grande maioria dos teólogos sistemáticos tradicionais nunca discutiu a respeito do fenômeno religioso em si, e poucos foram os que trataram o cristianismo como uma religião.

 Ou seja, um estudo honesto e responsável do que é a religião demanda coragem, ousadia e desprendimento. Coragem para seguir na tarefa, ainda que possíveis conclusões ameacem confrontar as próprias crenças. Ousadia para não recuar diante das ameaças veladas das conveniências. E por fim desprendimento, para saber renunciar a antigos trapos de convicções que se rasgarem mediante a verdade.

  Assim, será preciso despir-se de todas as lentes que temos diante dos olhos, tanto as atuais, quanto aquelas que já usamos um dia, que de um jeito ou de outro, ainda influenciam nossas percepções. E acreditem, essa não é uma tarefa simples, já que quase nunca nos percebemos olhando através dessa ou daquela lente, ou espelho. São muitos os fatores que nos influenciam o pensamento e as conclusões, podem apostar.

 Por essa razão, peço, sejam generosos e pacientes comigo. E se, porventura, não trouxer nada novo ou relevante a vocês, tomara consiga, provocar a vontade de refletir sobre o tema, para que busquem o conhecimento, e encontrem a liberdade.

 Espontaneidade legítima

 A maneira mais simples e pragmática de abordar o tema, é atribuir à religião um aspecto de instituição pensada para um determinado fim. Como se alguém ou grupo de pessoas, em um indefinido instante da história humana, instituísse a religião como um conjunto de ideias, rituais, e narrativas a respeito do sagrado, que não apenas apaziguasse a inquietude humana nessa busca, mas também a percebesse como um oportuno meio de manipulação dos adeptos.

 Não que a religião como a conhecemos não seja isso, ou não se preste a isso. Temos a noção exata que instituições religiosas mundo afora manipulam pessoas, e direcionam seus destinos conforme as pretensões e conveniências de seus líderes; quase sempre personagens muito eloquentes e convincentes. O despertar para um ato religioso, porém, é necessariamente anterior ao uso que já se fez ou se faz da religião. Esse despertamento é um ato espontâneo e totalmente livre, na direção daquilo que se entende inexoravelmente externo e superior a si mesmo. Podemos entender esse despertamento ou ato religioso primordial, como fruto de um espanto diante do confronto com uma realidade irrefutável, como faz o salmista em os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos. O que é essa frase, senão uma afirmação nascida do espanto mediante uma realidade que grita diante de seus olhos perplexos?

 A verdade é que a religião está mais próxima de nossa experiência pessoal do que desejamos admitir. É mais do que uma representação de nossa visão de mundo. É também, e principalmente, o reflexo do que somos essencialmente, e por isso é quase indissociável à nossa existência, participando ativa ou passivamente de quase todos os empreendimentos humanos. Em sua expressão mais espontânea e sincera, a elaboração religiosa é o exercício de transcender a si mesmo para além da própria consciência, quer individual ou coletiva. É a tentativa de encontrar em um totalmente outro, respostas às inquietantes indagações da alma.

 Talvez por isso haja quem afirme que não há povo sem religião, por mais primitivo ou avançado que seja. Em todas as civilizações, em todo o tempo e em todo lugar, a religião sempre esteve presente, expressando em menor ou maior grau, aquilo que uma ou mais pessoas entendiam ou nominavam como manifestação do sagrado.

 Mas afinal, o que provoca o impulso para o que convencionamos chamar de ato religioso primordial? O que faz o ser humano sentir necessidade de sair de si mesmo, para buscar fora as razões existenciais, a causa e o sentido de tudo o mais em seu mundo conhecido?