Por Jânsen Leiros Jr.
Caminhos
Depois
da pergunta por Deus, a questão sobre o que é a religião talvez
seja a mais necessária investigação no caminho de encontrarmos o sentido da
vida. Não que a religião seja esse sentido. Não mesmo. Porém, no processo de
desvendarmos as motivações que levam o ser humano a exercitar-se na religião,
inevitavelmente passamos tanto pelo terreno do significado da vida, quanto
pelos mais instintivos impulsos da alma.
A
pergunta pelo que é religião, no entanto, não é facilmente respondida quando se
pretende, por princípio, usarmos de honestidade e sobretudo responsabilidade.
Muito pelo contrário. No caminho de desvendarmos todas as possibilidades,
acabamos por transitar por becos escuros, ruas sem saídas e por labirintos
difíceis de serem compreendidos. E por que isso? Porque as encruzilhadas são
muitas, e nesta jornada o que difere verdade de equívoco é muito tênue. Isso se
dá por diversos fatores que influenciam essa busca, indo desde cenários
históricos em que se ambientam as pesquisas, até a própria experimentação
religiosa, ou não, do pesquisador.
Não
é sem razão que, segundo Irênio Silveira Chaves em seu livro O que é
Religião, ele se surpreende ao iniciar seu trabalho de pesquisa sobre o
tema. O curioso na pesquisa que fiz foi descobrir que a grande maioria dos
teólogos sistemáticos tradicionais nunca discutiu a respeito do fenômeno
religioso em si, e poucos foram os que trataram o cristianismo como uma
religião.
Ou
seja, um estudo honesto e responsável do que é a religião demanda coragem,
ousadia e desprendimento. Coragem para seguir na tarefa, ainda que possíveis
conclusões ameacem confrontar as próprias crenças. Ousadia para não recuar
diante das ameaças veladas das conveniências. E por fim desprendimento, para
saber renunciar a antigos trapos de convicções que se rasgarem mediante a
verdade.
Assim, será preciso despir-se de todas as
lentes que temos diante dos olhos, tanto as atuais, quanto aquelas que já
usamos um dia, que de um jeito ou de outro, ainda influenciam nossas
percepções. E acreditem, essa não é uma tarefa simples, já que quase nunca nos
percebemos olhando através dessa ou daquela lente, ou espelho. São muitos os
fatores que nos influenciam o pensamento e as conclusões, podem apostar.
Por
essa razão, peço, sejam generosos e pacientes comigo. E se, porventura, não trouxer
nada novo ou relevante a vocês, tomara consiga, provocar a vontade de refletir
sobre o tema, para que busquem o conhecimento, e encontrem a liberdade.
Espontaneidade legítima
A
maneira mais simples e pragmática de abordar o tema, é atribuir à religião um
aspecto de instituição pensada para um determinado fim. Como se alguém ou grupo
de pessoas, em um indefinido instante da história humana, instituísse a
religião como um conjunto de ideias, rituais, e narrativas a respeito do
sagrado, que não apenas apaziguasse a inquietude humana nessa busca, mas também
a percebesse como um oportuno meio de manipulação dos adeptos.
Não que a religião como a conhecemos não
seja isso, ou não se preste a isso. Temos a noção exata que instituições
religiosas mundo afora manipulam pessoas, e direcionam seus destinos conforme
as pretensões e conveniências de seus líderes; quase sempre personagens muito
eloquentes e convincentes. O despertar para um ato religioso, porém, é
necessariamente anterior ao uso que já se fez ou se faz da religião. Esse
despertamento é um ato espontâneo e totalmente livre, na direção daquilo que se
entende inexoravelmente externo e superior a si mesmo. Podemos entender esse
despertamento ou ato religioso primordial, como fruto de um espanto
diante do confronto com uma realidade irrefutável, como faz o salmista em os
céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos.
O que é essa frase, senão uma afirmação nascida do espanto mediante uma
realidade que grita diante de seus olhos perplexos?
A verdade é que a religião está mais próxima
de nossa experiência pessoal do que desejamos admitir.
É mais do que uma representação de nossa visão de mundo. É também, e
principalmente, o reflexo do que somos essencialmente, e por isso é quase
indissociável à nossa existência, participando ativa ou passivamente de quase
todos os empreendimentos humanos. Em sua expressão mais espontânea e sincera, a
elaboração religiosa é o exercício de transcender a si mesmo para além da
própria consciência, quer individual ou coletiva. É a tentativa de encontrar em
um totalmente outro, respostas às inquietantes indagações da alma.
Talvez por isso haja quem afirme que não
há povo sem religião, por mais primitivo ou avançado que seja. Em todas as
civilizações, em todo o tempo e em todo lugar, a religião sempre esteve
presente, expressando em menor ou maior grau, aquilo que uma ou mais pessoas entendiam
ou nominavam como manifestação do sagrado.
Mas afinal, o que provoca o impulso para
o que convencionamos chamar de ato religioso primordial? O que faz o ser
humano sentir necessidade de sair de si mesmo, para buscar fora as razões existenciais,
a causa e o sentido de tudo o mais em seu mundo conhecido?