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sábado, 16 de novembro de 2024

Profeta, um chamado a borbulhar

 Por Jânsen Leiros Jr.

Amós 3:8

"Rugiu o leão, quem não temerá? Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?"
Este versículo ilustra a compulsão irresistível do profeta em transmitir a mensagem divina após ouvir a voz de Deus. 

 

 Isaías 6:8

"Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim."
Mostra como o chamado divino desperta no profeta uma resposta incontrolável de disponibilidade, mesmo diante de desafios.

 

 Ezequiel 3:10-11

"Disse-me ainda: Filho do homem, todas as minhas palavras que te hei de falar, recebe-as no teu coração, e ouve-as com os teus ouvidos. Vai, dirige-te aos do cativeiro, aos filhos do teu povo, e lhes falarás dizendo: Assim diz o Senhor Deus, quer ouçam, quer deixem de ouvir."

Este trecho enfatiza a responsabilidade e a urgência do profeta em proclamar a mensagem, independentemente da receptividade do público.

 

 Atos 4:20

"Pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos."

Assim como Jeremias, os apóstolos não conseguiam conter a mensagem que ardia dentro deles, um testemunho claro da força do chamado profético.

 

 2 Pedro 1:21

"Porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo."

Este versículo confirma a ideia de que o profeta é movido pelo Espírito, não por sua própria vontade.

 A palavra "profeta" carrega consigo um peso teológico profundo que atravessa a história de diversas civilizações antigas, sendo de grande importância tanto para o povo de Israel quanto para os povos que estavam em contato com ele. O estudo etimológico e o papel da figura do profeta em diferentes culturas nos revelam muito sobre o significado de seu chamado, suas funções, e as maneiras pelas quais ele estava "tocando" a mensagem divina.

O Significado Etimológico da Palavra "Profeta"

A palavra "profeta", tal como a entendemos no português, vem do grego προφήτης (prophétēs), que significa "aquele que fala em nome de outro", "aquele que fala em nome de Deus". A raiz dessa palavra vem de προ (pro), que significa "antes" ou "para frente", e φημί (phēmi), que significa "falar". Portanto, etimologicamente, um profeta é alguém que fala antes ou para o futuro, alguém que traz uma mensagem que, muitas vezes, transcende o tempo presente, apontando para a vontade divina; um anúncio.

No hebraico, a palavra para "profeta" é נָבִיא (nāvī’), que está relacionada à ideia de ser chamado ou enviado por Deus para falar em Seu nome. A raiz נָבַא (nābā), que significa "falar", tem a conotação de ser movido ou impelido por uma força superior. Isso explica a sensação de urgência e involuntariedade que muitos profetas sentiram ao anunciar a palavra de Deus — como se estivessem sendo "forçados" a falar, apesar de suas próprias hesitações ou até resistências. Essa ideia de que o profeta não fala por vontade própria, mas por uma impulsão divina é um conceito que aparece com grande clareza nas Escrituras, especialmente em figuras como Jeremias, que não pôde deixar de falar, pois a palavra de Deus se tornava como fogo em seus ossos.

Outras línguas contemporâneas de Israel, como o aramaico e o fenício, também apresentavam termos para o profeta, sendo que o aramaico utilizava a palavra נְבִיאָא (nebīyā), que, similar ao hebraico, trazia a ideia de alguém que era designado para falar uma mensagem divina, transmitida por um poder superior.

O Profeta em Israel e nos Povos Pagãos

O papel do profeta em Israel tinha uma função muito específica, como porta-voz de Deus para o Seu povo. Os profetas não apenas anunciavam a vontade divina, mas também traziam exortações, repreensões e aconselhamentos, servindo como mediadores entre o povo e Deus. O profeta israelita era alguém que frequentemente desafiava os valores do poder político e social, confrontando as autoridades com a verdade de Deus. Ele não estava lá para agradar as pessoas, mas para ser fiel ao chamado de Deus, que muitas vezes envolvia trazer notícias difíceis de ouvir, como o anúncio de juízos e castigos sobre o povo de Israel, como por exemplo Jeremias e Ezequiel.

Diferentemente, em muitas culturas pagãs do Antigo Testamento, os profetas eram figuras de caráter divinatório, focados em prever o futuro ou revelar os caprichos dos deuses através de rituais, oráculos e práticas místicas. Nas culturas fenícia, egípcia e babilônica, os profetas eram consultados para revelar o futuro ou interpretar os sinais dos deuses, mas essas revelações geralmente estavam ligadas ao interesse de prever desastres ou oportunidades para seus povos. Não havia, nas práticas pagãs, a mesma profundidade moral ou chamamento para a justiça social que marcava a mensagem dos profetas israelitas, que frequentemente desafiavam o poder, a corrupção e a infidelidade do povo de Israel para com Deus.

Em contraste, os profetas de Israel eram mais do que simples adivinhos ou mediadores do futuro; eram aqueles que traziam uma mensagem de justiça, arrependimento e esperança, apontando para a fidelidade ao pacto com Deus. O profeta de Israel não estava apenas prevendo eventos futuros, mas estava anunciando a vontade de Deus em resposta ao comportamento presente do povo.

O Profeta Borbulhante e o Gofo da Palavra Divina

Chegamos, então, à reflexão que propomos sobre o profeta como alguém borbulhante, cheio de uma mensagem de Deus que não pode ser contida. A palavra do Senhor que vive dentro do profeta, muitas vezes, não é algo que ele pode controlar ou escolher quando transmitir. A pressão que o profeta sente é comparada, como vimos em Jeremias, ao fogo nos ossos. Essa força incontrolável é como um gofo que precisa ser expelido, não porque o profeta o deseja, mas porque não há outra maneira de satisfazer essa urgência interna.

Essa metáfora do gofo, embora inusitada, faz referência a algo que se acumula e se torna inevitável, algo que precisa ser expelido para aliviar o "desconforto" interno do profeta. A palavra de Deus, dentro dele, vai se acumulando até que, inevitavelmente, o profeta é impelido a falar, a anunciar. A relação com o gofo aqui é clara: é algo que se junta, se acumula, e chega ao ponto em que o corpo do profeta não pode mais manter. Ele precisa exalar, expelir essa palavra, por mais difícil que seja.

A ideia do profeta como alguém borbulhante é também uma forma de entender essa urgência interna que o move. O profeta não é alguém que fala a seu tempo ou de sua própria vontade, mas sim alguém que é tomado pela palavra de Deus, uma palavra que não só é mensagem, mas força que se faz sentir dentro dele. Essa pressão interior gera um movimento que borbulha e transborda, não de maneira controlada ou programada, mas como algo que explode de dentro do profeta, à medida que a palavra é liberada para fora.

Isso nos traz uma revelação última e didática sobre o toque de Deus sobre o profeta: Deus não apenas lhe dá a palavra de maneira intelectual ou emocional, mas impõe uma urgência divina sobre o profeta. A palavra é quase uma força que o molda, que se infiltra em sua carne e alma até que, não podendo mais resistir, o profeta se torna o instrumento vivo da mensagem. O profeta não é apenas alguém que diz algo; ele vive a palavra que Deus colocou nele, com todo o fervor e intensidade.

Por isso, o chamado profético é algo intensamente humano e divino ao mesmo tempo. O profeta, imerso na palavra de Deus, se vê impelido por ela, de tal maneira que a palavra se torna uma parte de sua própria essência, e seu ato de profetizar é a exteriorização de uma verdade que não pode mais ser contida.

E assim, o profeta é como um gofo que precisa ser expelido, como um fogo que não pode ser contido nos ossos: ele não escolhe a hora de falar, mas responde ao toque divino que o molda, que o pressiona, e o leva a ser a voz de Deus, não apenas para o povo de Israel, mas para todos aqueles que precisam ouvir a vontade divina, por mais desafiadora que ela seja.

A figura do profeta, portanto, se revela como alguém que não pode calar a palavra de Deus, que borbulha e transborda em sua missão, porque, ao ser tocado por Deus, a palavra se torna mais do que uma mensagem: torna-se uma necessidade vital.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Mídia, Religião e Confusão - Uma realidade da Era Digital

 

Por Jânsen Leiros

"O meio é a mensagem." - Marshall McLuhan – Understanding Media: The Extensions of Man (1964); McLuhan enfatiza que os meios de comunicação, como a mídia, não são apenas canais neutros de transmissão de informação, mas moldam a própria natureza das mensagens que carregam. Ele reconhece o impacto profundo da mídia na formação das ideias e como ela altera nossa percepção da realidade, o que se alinha com a ideia de que a mídia influencia de maneira substancial a compreensão teológica e religiosa.

"A ascensão da mídia digital e das comunicações instantâneas permite que ideias religiosas, tanto ortodoxas quanto heréticas, se espalhem com uma velocidade sem precedentes." - Alister McGrath – The Twilight of Atheism (2004); McGrath analisa a interação entre mídia e religião, destacando como a internet e outras formas de mídia digital moldam a maneira como as pessoas acessam e interpretam conteúdos religiosos. Essa citação corrobora a ideia de que a proliferação de informações, muitas vezes superficiais, pode distorcer doutrinas e criar uma compreensão fragmentada da fé.

"A comunicação pública, especialmente na era digital, muitas vezes perde a capacidade de promover um diálogo genuíno e reflexivo, sendo frequentemente substituída por informações simplificadas e sensacionalistas." - Jürgen Habermas – The Theory of Communicative Action (1981); Habermas argumenta sobre o papel crucial da comunicação para a formação da opinião pública, mas também aponta os riscos da comunicação superficial que prevalece nas mídias contemporâneas, um ponto que está em consonância com a crítica à superficialidade da informação religiosa na mídia.

"O desafio contemporâneo para o cristianismo é como transmitir a verdade eterna em um mundo de informação instantânea e transformada." - John Stott – The Contemporary Christian (1992); Stott destaca as dificuldades enfrentadas pelas tradições religiosas em manter a profundidade e a autenticidade diante da aceleração da troca de informações e da superficialidade das mensagens midiáticas. Ele sugere que a fé precisa resistir à tentação de ser reduzida a um produto de consumo rápido.

"A internet, ao democratizar o acesso à informação, ao mesmo tempo facilita a propagação de ideias errôneas e a criação de bolhas ideológicas." - Yuval Noah Harari – 21 Lessons for the 21st Century (2018); Harari argumenta sobre os efeitos da internet na formação de bolhas ideológicas e a disseminação de desinformação, um fenômeno que também se aplica ao campo religioso, conforme discutido no texto abaixo, onde a mídia digital pode facilitar a proliferação de ideias errôneas ou incompletas sobre a fé.

Há algum tempo, venho acompanhando com apreensão a disseminação, pela mídia, de conteúdos religiosos – e, em especial, de materiais que se apresentam como cristãos e teológicos. Não é que eu questione a legitimidade do uso da mídia para divulgar temas desse campo; pelo contrário, reconheço seu potencial em difundir valores espirituais e conhecimentos sobre a fé. No entanto, minha preocupação recai sobre o modo como esses conteúdos têm sido veiculados, muitas vezes promovendo afirmações questionáveis e compreensões passíveis de debate

A mídia, com seu poder de moldar a opinião pública e disseminar informações em tempo real, exerce uma influência cada vez mais significativa na compreensão teológica contemporânea. A facilidade de acesso a conteúdos religiosos através de diversas plataformas digitais democratizou a busca por conhecimento espiritual, oferecendo aos indivíduos a oportunidade de explorar diferentes perspectivas e interpretações das escrituras sagradas.

No entanto, a proliferação de informações, muitas vezes fragmentadas e superficiais, também apresenta desafios. A busca por audiência e o impulso de simplificar conceitos complexos acabam distorcendo doutrinas e disseminando ideias equivocadas. A mídia, ao transformar a fé em um produto de consumo, incorre no risco de banalizar o sagrado e reduzir a espiritualidade a uma mera experiência emocional.

A influência da mídia na religião não é um fenômeno recente. Ao longo da história, as diferentes mídias disponíveis em cada época – da imprensa escrita ao rádio e à televisão – moldaram e, muitas vezes, instrumentalizaram a compreensão e a prática religiosa para servir a objetivos específicos. A Reforma Protestante, por exemplo, foi impulsionada pela invenção da imprensa, que permitiu a disseminação rápida das ideias de Lutero.

Na era digital, a influência da mídia se intensifica. As redes sociais, os blogs e os podcasts oferecem plataformas para a produção e disseminação de conteúdos religiosos por parte de indivíduos e grupos. Essa democratização da informação, embora superficial, permite um diálogo mais amplo e diversificado sobre questões de fé. Por outro lado, ela também facilita a propagação de informações falsas e impulsiona a formação de bolhas ideológicas que reforçam visões estreitas, prejudicando o diálogo genuíno entre diferentes perspectivas religiosas.

Para além dos aspectos negativos, a mídia também pode ser uma ferramenta poderosa para a promoção do diálogo inter-religioso e da compreensão mútua. Programas de TV, documentários e filmes podem apresentar as diferentes tradições religiosas de forma respeitosa e informativa, contribuindo para a construção de uma sociedade mais plural e tolerante.

É fundamental que os indivíduos desenvolvam um senso crítico aguçado para discernir as fontes confiáveis e construir uma compreensão teológica sólida e fundamentada. A leitura aprofundada de textos teológicos clássicos, a participação em comunidades religiosas e o diálogo com especialistas são elementos essenciais para uma compreensão teológica sólida, especialmente em um cenário onde a mídia, em grande parte, prioriza conteúdos emocionais e superficiais em detrimento da profundidade e da autenticidade espirituais. Além disso, a mídia pode ser utilizada como uma ferramenta para o diálogo inter-religioso e o aprofundamento da compreensão das diferentes tradições religiosas.

Este é apenas o início de uma jornada mais profunda sobre o impacto da mídia na nossa compreensão da fé e da teologia. Ao longo das próximas semanas, exploraremos com mais detalhes como a mídia tem transformado a prática religiosa, as distorções que ocorrem ao simplificar doutrinas complexas e a necessidade de uma reflexão crítica sobre as informações que consumimos. Com isso, buscaremos não apenas compreender melhor esses fenômenos, mas também sugerir caminhos para uma prática cristã mais sólida e fundamentada, que resista às pressões da superficialidade e da comercialização do sagrado.