Amós 3:8
"Rugiu o leão, quem
não temerá? Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?"
Este
versículo ilustra a compulsão irresistível do profeta em transmitir a mensagem
divina após ouvir a voz de Deus.
"Depois disto, ouvi a voz do
Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: Eis-me
aqui, envia-me a mim."
Mostra
como o chamado divino desperta no profeta uma resposta incontrolável de
disponibilidade, mesmo diante de desafios.
"Disse-me ainda:
Filho do homem, todas as minhas palavras que te hei de falar, recebe-as no teu
coração, e ouve-as com os teus ouvidos. Vai, dirige-te aos do cativeiro, aos
filhos do teu povo, e lhes falarás dizendo: Assim diz o Senhor Deus, quer
ouçam, quer deixem de ouvir."
Este
trecho enfatiza a responsabilidade e a urgência do profeta em proclamar a
mensagem, independentemente da receptividade do público.
"Pois nós não
podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos."
Assim
como Jeremias, os apóstolos não conseguiam conter a mensagem que ardia dentro
deles, um testemunho claro da força do chamado profético.
"Porque nunca jamais
qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram
da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo."
Este
versículo confirma a ideia de que o profeta é movido pelo Espírito, não por sua
própria vontade.
O
Significado Etimológico da Palavra "Profeta"
A
palavra "profeta", tal como a entendemos no português, vem do grego
προφήτης (prophétēs), que significa "aquele que fala em nome de
outro", "aquele que fala em nome de Deus". A raiz dessa palavra
vem de προ (pro), que significa "antes" ou "para frente", e
φημί (phēmi), que significa "falar". Portanto, etimologicamente, um
profeta é alguém que fala antes ou para o futuro, alguém que traz uma mensagem
que, muitas vezes, transcende o tempo presente, apontando para a vontade
divina; um anúncio.
No
hebraico, a palavra para "profeta" é נָבִיא
(nāvī’), que está relacionada à ideia de ser chamado ou enviado por Deus para
falar em Seu nome. A raiz נָבַא (nābā), que significa
"falar", tem a conotação de ser movido ou impelido por uma força
superior. Isso explica a sensação de urgência e involuntariedade que muitos
profetas sentiram ao anunciar a palavra de Deus — como se estivessem sendo
"forçados" a falar, apesar de suas próprias hesitações ou até
resistências. Essa ideia de que o profeta não fala por vontade própria, mas por
uma impulsão divina é um conceito que aparece com grande clareza nas
Escrituras, especialmente em figuras como Jeremias, que não pôde deixar de
falar, pois a palavra de Deus se tornava como fogo em seus ossos.
Outras
línguas contemporâneas de Israel, como o aramaico e o fenício, também
apresentavam termos para o profeta, sendo que o aramaico utilizava a palavra נְבִיאָא
(nebīyā), que, similar ao hebraico, trazia a ideia de alguém que era designado
para falar uma mensagem divina, transmitida por um poder superior.
O
Profeta em Israel e nos Povos Pagãos
O
papel do profeta em Israel tinha uma função muito específica, como porta-voz de
Deus para o Seu povo. Os profetas não apenas anunciavam a vontade divina, mas
também traziam exortações, repreensões e aconselhamentos, servindo como
mediadores entre o povo e Deus. O profeta israelita era alguém que
frequentemente desafiava os valores do poder político e social, confrontando as
autoridades com a verdade de Deus. Ele não estava lá para agradar as pessoas,
mas para ser fiel ao chamado de Deus, que muitas vezes envolvia trazer notícias
difíceis de ouvir, como o anúncio de juízos e castigos sobre o povo de Israel,
como por exemplo Jeremias e Ezequiel.
Diferentemente,
em muitas culturas pagãs do Antigo Testamento, os profetas eram figuras de
caráter divinatório, focados em prever o futuro ou revelar os caprichos dos
deuses através de rituais, oráculos e práticas místicas. Nas culturas fenícia,
egípcia e babilônica, os profetas eram consultados para revelar o futuro ou
interpretar os sinais dos deuses, mas essas revelações geralmente estavam
ligadas ao interesse de prever desastres ou oportunidades para seus povos. Não
havia, nas práticas pagãs, a mesma profundidade moral ou chamamento para a
justiça social que marcava a mensagem dos profetas israelitas, que
frequentemente desafiavam o poder, a corrupção e a infidelidade do povo de
Israel para com Deus.
Em
contraste, os profetas de Israel eram mais do que simples adivinhos ou
mediadores do futuro; eram aqueles que traziam uma mensagem de justiça,
arrependimento e esperança, apontando para a fidelidade ao pacto com Deus. O
profeta de Israel não estava apenas prevendo eventos futuros, mas estava
anunciando a vontade de Deus em resposta ao comportamento presente do povo.
O
Profeta Borbulhante e o Gofo da Palavra Divina
Chegamos,
então, à reflexão que propomos sobre o profeta como alguém borbulhante, cheio
de uma mensagem de Deus que não pode ser contida. A palavra do Senhor que vive
dentro do profeta, muitas vezes, não é algo que ele pode controlar ou escolher
quando transmitir. A pressão que o profeta sente é comparada, como vimos em
Jeremias, ao fogo nos ossos. Essa força incontrolável é como um gofo que
precisa ser expelido, não porque o profeta o deseja, mas porque não há outra
maneira de satisfazer essa urgência interna.
Essa
metáfora do gofo, embora inusitada, faz referência a algo que se acumula e se
torna inevitável, algo que precisa ser expelido para aliviar o
"desconforto" interno do profeta. A palavra de Deus, dentro dele, vai
se acumulando até que, inevitavelmente, o profeta é impelido a falar, a
anunciar. A relação com o gofo aqui é clara: é algo que se junta, se acumula, e
chega ao ponto em que o corpo do profeta não pode mais manter. Ele precisa
exalar, expelir essa palavra, por mais difícil que seja.
A
ideia do profeta como alguém borbulhante é também uma forma de entender essa
urgência interna que o move. O profeta não é alguém que fala a seu tempo ou de
sua própria vontade, mas sim alguém que é tomado pela palavra de Deus, uma
palavra que não só é mensagem, mas força que se faz sentir dentro dele. Essa
pressão interior gera um movimento que borbulha e transborda, não de maneira
controlada ou programada, mas como algo que explode de dentro do profeta, à
medida que a palavra é liberada para fora.
Isso
nos traz uma revelação última e didática sobre o toque de Deus sobre o profeta:
Deus não apenas lhe dá a palavra de maneira intelectual ou emocional, mas impõe
uma urgência divina sobre o profeta. A palavra é quase uma força que o molda,
que se infiltra em sua carne e alma até que, não podendo mais resistir, o
profeta se torna o instrumento vivo da mensagem. O profeta não é apenas alguém
que diz algo; ele vive a palavra que Deus colocou nele, com todo o fervor e
intensidade.
Por
isso, o chamado profético é algo intensamente humano e divino ao mesmo tempo. O
profeta, imerso na palavra de Deus, se vê impelido por ela, de tal maneira que
a palavra se torna uma parte de sua própria essência, e seu ato de profetizar é
a exteriorização de uma verdade que não pode mais ser contida.
E
assim, o profeta é como um gofo que precisa ser expelido, como um fogo que não
pode ser contido nos ossos: ele não escolhe a hora de falar, mas responde ao
toque divino que o molda, que o pressiona, e o leva a ser a voz de Deus, não
apenas para o povo de Israel, mas para todos aqueles que precisam ouvir a
vontade divina, por mais desafiadora que ela seja.
A
figura do profeta, portanto, se revela como alguém que não pode calar a palavra
de Deus, que borbulha e transborda em sua missão, porque, ao ser tocado por
Deus, a palavra se torna mais do que uma mensagem: torna-se uma necessidade
vital.